quarta-feira, 3 de junho de 2009

Galeria Quase - Espaço T



“…O mundo quer distracção
mas é preciso perturbá-lo
perturbá-lo, perturbá-lo
(…)
Com o objecto do espírito
contra o lixo do espírito
com a obra de artecontra a sociedade
contra a estupidez…”( 2)

Nos inícios do séc. XX proliferaram manifestos, ultimatums, proclamações, lançados por grupos de artistas ou assumidos por artistas isolados. Entre todo uma panóplia de discursos empolgados ou de sistematizações acutilantes e lúcidas, os princípios que pautavam as actuações dos seus respectivos autores, pretendia-se atingir um público que estava por decidir. Ou seja, a noção de público(s) conformava-se enquanto uma soma de indivíduos, desconhecedores na sua quase totalidade, do que fosse arte, cultura – fossem estas fenómenos de modernidade ou vanguardas. Em cartas publicadas posteriormente, em diários ou outro tipo de registos intimistas e para “circuito fechado”, alguns modernistas portugueses assumiam-se como uma elite, cientes da incompreensão que suscitavam através da divulgação das suas ideias. O mais importante, como já afirmei noutros estudos e textos, foram os actos quanto as ideias mais do que as obras – no caso de alguns dos protagonistas de Orpheu e de Portugal Futurista, a titulo de exemplo. Ao longo do século passado, atravessando acontecimentos históricos irreversíveis e ideologizações (dês)necessárias, os artistas não largaram suas convicções e persistiram em anunciar utopias (nalguns casos), consolidar denúncias, promover actuações e apresentar produções artísticas. Enfim, geraram obras, fossem estes de valência mais estritamente conceptual ou sustentada em fisicalidades matérico-formais. As consequências traduzem-se na pluralidade e riqueza do património artístico-estético que nos procede e que, simultaneamente, nos situa…Ainda que, este “situar” possa ser alocalizável, deslocável e fugaz, verificando-se, pois e sem grande margem a dúvida, qual a extensão e pregnância entre espaço, tempo e movimento… Tanto quanto as publicações artísticas (suporte digital ou convencional) são imprescindíveis para propagar axiologias e obras, mais são convenientes acções conjugadas para apresentação autoral. Assim,
entendo a presença assídua em diferentes espaços e locais das diferentes edições dos Afrontamentos, salvaguardadas as diferenças que o Zeitgeist e o Umwelt lhes conferem. Este colectivo de artistas inclui pessoas de diferentes gerações, embora de grande proximidade, manifestando-se em complementaridades de linguagens plástico-visual e em consecuções (numa leitura formalista e simultaneamente semântica) gratificantes e prospectivas.[Confronte-se o texto de apresentação, assinada pelo próprio colectivo, enuncia desde logo, ospressupostos e directrizes que têm orientado o desenvolvimento das suas ideias, desempenhose concretizações autorais. Abstenho-me pois de repetição, remetendo para a sua leitura atenta edisponível.]As obras que integram Afrontamentos 5 desenham uma consciência societária e pessoal quenão colidem ou se ignoram, antes angariam forças e geram sinergias inesperadas. Atendendoaos conteúdos iconográficos ou organizando racionalmente o que deles emana em estado de“ver mais puro e descontaminado”, confrontamo-nos com oposicionalidades, com redefiniçõesde género e decisão, pela via de depoimentos específicos e particulares. Mas também, emediante essas especificidades individuais, reconhecem-se compulsões e arquétipos queatravessam a condição existencial do humano. Um “humano” que de anónimo nada tem,embora ser susceptível de um processo de projecção/introjecção/…como bem se sabe. Équestão de emissão estética promovida por uma intencionalidade sólida, quando de umarecepção diferenciadora, de acordo com o desconhecimento de quem sejam, precisamente osreceptores, mas também a certeza de que sejam alguns deles – os utentes do Espaço T.A acção e produções do colectivo Afrontamentos permite convocarem-se as afirmações de Thomas Bernard, no seu texto dramático, Minetti:“…Os artistas têm todos medomedomedoArte e medoEsses homens decidem o curso da históriaFeridas recíprocas, sabeisDeclamam em voz alta (…)(3)O público que Afrontamentos pretende promover, incentivar é esse público constituído pelo “espectador activo”, como assim o designou Antoni Tàpies. Ou seja, é missão dos artistas induzir a novas assunções de si mesmo, de si na sociedade, novos desígnios e procedimentos, enfim, ao desempenho actuante sobre o “mundo”, contrariando estereótipos, convencionalismos, verdades supostas e/ou atávicas:“Perante uma verdadeira obra de arte, o espectador há-desentir-se obrigado a fazer um exame de consciência e a pôrem dia as suas antigas concepções. O artista deve-lhe fazer compreender que o seu mundo era estreito e abrir-lhe novasperspectivas. Isto é: levar a cabo uma autêntica obrahumanista.”(4)Os artistas, através das obras que se apresentam nesta mostra, convocam e utilizam sinais, cifras e codificações, ícones simbólicos, cuja origem, na maioria dos casos, retrocede aos estados maisprimordiais do humano sobre terra. Assim mesmo, sua genuidade, compulsividade ou emergência, se revelam como as mais prioritárias e imprescindivéis, pois reúnem, se alimentam e nutrem – em sobreposição -as circunstâncias irreversíveis, as forças inultrapassáveis de Eros e Thanatos. Trata-se de arquétipos que reconfiguram as argumentações de C.G.Jung. Por vezes, as suas formas são “impostas” pela natureza, quer a vegetal, outras são sinais inventados para cifrar conteúdos. Mas há casos em que pelas constantes repetições e utilização destes sinais em contextos semelhantes, as “fórmulas” de associações se tornam facilmente legíveis. “Mas a palavra”matéria” permanece um conceito seco, inhumano e puramente intelectual, e que para nós não tem qualquer significação psíquica. Como era diferente a imagem primitiva da matéria -a Mãe Grande -que podia conter e expressar todo o profundo sentido emocional da Mãe-Terra !” (5)(1)O colectivo Afrontamentos tem vindo a apresentar-se em diferentes espaços, de Sul a Norte (e por aí…),integrando um número não regular, nem permanente… de artistas “residentes”. Além dos elementos que participam neste colectivo desde a 1ª edição, tem como característica endereçar convite a outros jovenscriadores portugueses e de outros países. A edição 5 de Afrontamentos irá alastrar pela quase galeria, estendendo-se a outros espaços no EspaçoT…saindo para fora e dentro…afrontando as leis da gravidade curatorial…(2)Thomas Bernard, Minetti, Paris, L.Arche, 1983, pp.31-32
Maria de Fátima Lambert
Lisboa, Março 2009

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